“Viveremos entre monstros da nossa própria criação…”
17/11/2016“Eu fico com a pureza da resposta das crianças…”
17/11/2016Texto abaixo escrito por Rui Miguel
Voltando
para a residência onde me encontrava hospedado em uma de minhas visitas
a BH tive a necessidade de utilizar o metrô. Fazia muitos anos que eu
não o utilizava. Desde minha época de 2º grau durante alguns anos de
trabalho onde diariamente o pegava.
Naquela época por fazer parte da grande massa de pessoas com deficit em tempo não me identificava com a participação que tinha no desespero da massa. Quando fazemos parte de uma rotina não reparamos o quanto o tempo é curto para nós e o quando pequenas coisas não fazem a menor diferença.
Sobrevivia.
Digo
“sobrevivia” pois como o dia a dia da nossa grande massa de
trabalhadores me encontrava apressado correndo de um metrô para o outro,
de um ônibus para o outro, sempre em passos largos, afoito, com
respiração ofegante, olhando constantemente para o relógio, contando os
minutos para sair do ônibus e entrar no metrô. Não olhava pro lado,
apenas olhar fixo no próximo obstáculo. Se aparecesse alguém conhecido
do meu lado eu não repararia. Se minha mãe tivesse fazendo jogos
pirotécnicos no sinal de trânsito eu não notaria.
Esse
ritmo de vida me consumia. Independente do emprego que eu conquistava
ou me deparava com a massa populacional em meio a uma maratona rotineira
ou me encontrava 2 a 3 horas de trânsito por dia onde a paciência se
tornava sua maior virtude tanto pelo aspecto tempo quanto pelo aspecto
humano.
Uma das características do parkinson é a lentidão. Não uma lentidão de raciocínio e sim uma lentidão física. Mas é mais acentuada e notória quando estamos sem remédio, chega a dar raiva. Quando estamos em dia com os remédios e exercícios físicos esse sintoma praticamente desaparece. Mas mesmo assim ela está lá e as vezes ela se torna evidente.
Com
o tempo aprendi a lidar com isso e como tudo na vida me adaptei. E com a
adaptação, o aprendizado. Forçosamente fui aprendendo a fazer as coisas
com mais calma e consequentemente aprendi a desfrutar do tempo e das
ações da melhor maneira possível e utilizá-lo com qualidade. Aprendi a
dar valor a cada instante da minha vida e tê-la como aliada e não correr
contra ela. Aprendi que posso mais que sobreviver.
Vivo
Quando
estive pela última vez no metrô, em uma das passarelas fui atropelado
duas vezes. Na primeira vez por uma mulher de sacolas com o filho
pequeno que gritava para todos saírem da frente, mas eu absorto em meus
pensamentos fui surpreendido com uma sacolada nas costas. Não sei o que
ela carregava, mas parecia um toco de madeira porque doeu muito. Tudo
isso porque o trem se aproximava. E eu me indagava sobre o tempo de um
trem para o outro. Marquei, eram 12 minutos. O desespero era para ganhar
12 minutos. Talvez não seja importante para mim, mas para aquela mulher
de sacola com um tronco de árvore na bolsa esses minutos eram
importantes.
Comecei
a reparar ao redor. “Todas” as pessoas corriam, olhavam pro relógio,
balançavam a cabeça negativamente quando encontravam um obstáculo,
falavam ao celular, gesticulavam sozinhas, corriam ao avistarem o trem
surgindo longe da estação. Alguns comiam enquanto corriam ou corriam
enquanto comiam, outros andavam a passos largos fixos no próximo
transporte. E pensar que amanhã tinha tudo isso novamente.
Nesse
momento fui surpreendido por uma pisada no meu pé. Era um homem muito
bem vestido com o seu terno e sapatos aparentemente novos e pontiagudos.
Mas como a aparência não quer dizer nada, também não fez questão de
pedir desculpas. Talvez a culpa fosse minha. Talvez eu tivesse na mão
errada. Pessoas lentas devem andar na direita. Talvez eu que precisava
pedir desculpas, pensei. Comecei a rir sozinho.
Fui
atropelado duas vezes mesmo estando quase a passos de bebê de tanta
gente que andava junto comigo. Passei para a direita e mesmo assim
continuei sendo pressionado. Como assim????? Me perguntava. Tinha
gente na minha frente, gente do lado, parede do outro e o carinha atrás
ainda tava querendo que eu saísse da frente? O único lugar era ir pra
cima. Olhei pra trás e disse: Me desculpa meu amigo mas voar “ainda” eu
não posso. Acho que a piada foi em momento errado. Mas como ainda acho
que bom humor não tem momento…
Isso
aprendi com o parkinson. A não deixar ser controlado pela rotina, pelo
dia dia, pelo tempo, pela mesmice e sim aproveitar cada minuto de nossa
vida mesmo que a rotina faça parte dela.
Então
eu digo para os parkinsonianos que aproveitem cada minuto. Utilizem a
“lentidão” física para acelerar a qualidade de vida. E também digo aos
cuidadores: Não percam a paciência com uma possível vagarosidade, pois
nós aprendemos a viver ao contrário de muitos que ainda sobrevivem.
Abraços